sábado, 2 de agosto de 2008

"Em nome da terra", Vergílio Ferreira

Vergílio Ferreira


Em nome da terra de Vergílio Ferreira foi a primeira sugestão de leitura do programa No fio das palavras da RTP-Madeira.

Vergílio Ferreira escreve este livro na voz de João, um homem que no fim da vida escreve uma carta a Mónica, a sua mulher que já morreu. De uma intensidade emocional muito grande, este livro fala de questões reais como o envelhecimento e a degradação do corpo numa vertente crua e dura mas também do amor que João descreve como eterno.

Querida. Veio-me hoje uma vontade enorme de te amar. E então pensei: vou-te escrever. Mas não te quero amar no tempo em que te lembro. Quero-te amar antes, muito antes. É quando o que é grande acontece. E não me digas diz lá porquê. Não sei. O que é grande acontece no eterno e o amor é assim, devias saber. Ama-se como se tem uma iluminação, deves ter ouvido. (...) Ou como quando se dá uma conjugação de astros no infinito, deve vir nos livros.

João, um conceituado juiz que vê o poder que tinha a escapar-lhe por entre os dedos. A sua vida agora é comandada pelas regras dos outros. A viver num lar, tem horas para quase tudo, menos para escrever a Mónica, a mulher falecida e o amor da sua vida. Pelo meio entram os três filhos do casal: Márcia, Teo e André que em comum têm o distanciamento do pai. E talvez por isso Vergílio Ferreira descreva aqui os filhos de uma forma muito pouco romanceada, quase como uma mera necessidade de dar continuidade ao nome da família.

O elemento do corpo está permanentemente presente, com a amputação da perna de João por oposição ao corpo esbelto e ágil de Mónica, pelo menos no momento em que ele a recorda, um momento preso no tempo.

Tenho no meu poder fazer-te perfeita, não vou perder essa possibilidade.

Sei apenas que me veio uma vontade imensa de te amar. De te amar no impossível, que é onde vale a pena todo o possível. De te amar onde nada seja real. No absoluto. Onde não há miséria e degradação e abandono e maus cheiros. Nem podridão e desespero humano. Nem loucura. Nem morte.

Ao longo de todo o livro, página depois de página lemos passagens que parece que foram escritas para cada um de nós. Ideias que nos fazem reflectir sobre os mais diversos motivos de acordo com o que tivermos presente no pensamento.

Depois, já na última página, uma alusão final ao cosmos:

Estaremos nus desde o início, sem vergonha anterior. Nudez primitiva, não a saberemos. Porque será uma nudez para antes de os deuses nascerem. Então mergulharemos nas águas do rio e deitar-nos-emos na areia. E olharemos o céu limpo e sem estrelas. E acharemos perfeitamente natural, porque a iluminação estará em nós. Erguer-nos-emos por fim e eu baixar-me-ei no rio e trarei água na concha das mãos. E derramá-la-ei imensamente e devagar sobre a tua cabeça. E direi para toda a história futura, na eternidade de nós
- Eu te baptizo em nome da Terra, dos astros e da perfeição.
E tu dirás está bem.

4 comentários:

Alberto Velez Grilo disse...

Muitos parabéns pelo programa. Este blogue é uma excelente ideia...

PL disse...

Obrigada, é o primeiro comentário!
Fico a aguardar sugestões de leitura também.

Alberto Velez Grilo disse...

De nada...

Como sugestão: um dos melhores livros que li ultimamente é do Santiago Gamboa - A Vida Feliz do Jovem Esteban...

PL disse...

Em breve vou sugerir um outro livro dele que é, sem dúvida, um dos grandes escritores colombianos da actualidade. E "A vida feliz do jovem Esteban" é sem dúvida um grande livro.Boa sugestão!

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